Esta é a obra da vida do oleiro José Franco. A sua especialidade era arte sacra mas ficou conhecido por esta aldeia que fez por gozo pessoal. Pretendia perpetuar usos e costumes das gentes saloias, dos quais se lembrava da sua infância e que via, com apreensão, desaparecerem aos poucos.
Já há anos que ouvia falar da aldeia típica de José Franco, estava farto de ir a Mafra e à Ericeira, passei várias vezes à frente dela e nunca tinha parado para visitar. Foi desta.
Chegámos vindos de Mafra e entrámos no estacionamento que fica nas traseiras. Logo à entrada temos a primeira boa surpresa: é gratuita. Sempre foi e, segundo a vontade do seu criador José Franco, sempre será.
Entramos para um átrio onde há um coreto, uma eira, um parque infantil, altares de santos e um busto de José Franco com um texto do seu amigo Jorge Amado.
Continuando a visita começam as réplicas. Quanto mais vamos entrando, mais nos vamos apercebendo da dedicação e da coleção impressionante do mestre oleiro.
São centenas de objectos, móveis, ferramentas, instrumentos musicais, armas, enfim toda uma parafernália do séc. passado e anteriores, num razoável estado de conservação, que nos permite com alguma facilidade viajar até esse tempo e imaginar como seria a vida de José Franco na sua infância e juventude.
Objetos antigos de ofícios antigos, testemunhos de um Portugal que já praticamente deixámos de ser. Um Portugal que temos de explicar aos nossos filhos pois já quase não têm exemplos dele. Um Portugal que já foi foleiro, que em dada altura das nossas vidas todos renegámos e que hoje, lentamente, vamos aprendendo a valorizar e a interiorizar, que a sua estética própria é diferente da que a televisão nos ensina mas, não é lá por isso desprezível. Apenas diferente. E sobretudo nossa.
Visitar esta aldeia é viajar no tempo mas não para um passado muito remoto, dado que ainda não há cem anos que éramos assim. Talvez um passado que nos traz à memória o anterior regime de “Deus, Pátria e Família”, em que havia a glorificação do Portugal rural e atrasado mas protegido e de “bons costumes”.
Nostalgias à parte e continuando a nossa visita, vemos a primeira aldeia em miniatura (há mais duas embora estejam a coberto). Para além das casas e demais espaços de uso comunitário, tem movimento criado pela passagem da água: toca o sino (devo dizer que pode ser um bocadinho enervante o plim, plim, plim…), bonecos dão à manivela, o burro anda à roda, enfim, estão aqui retratadas algumas das actividades tradicionais de uma aldeia saloia do início do séc. passado.
Continuando a visita, temos a escola primária. Escola à antiga, com carteiras de tinteiro, ardósias pequenas, quadro de giz, mesa da professora num estrado e aqueles posters que ensinavam os rudimentos da língua.Não posso deixar de contar que os meus filhos assim que viram as ardósias em cima das carteiras disseram “Uau! Ipads falsos! Oh pai, eles já tinham Ipads?”.
Depois seguem-se mais algumas casas de ofícios (relojoeiro, alfaiate), um parque infantil com baloiços, onde achei fantásticas as placas “só para crianças até aos 12 aninhos”, não vá algum marmanjo tentar a sorte e um restaurante (supostamente com cozinha típica). Chegamos então à parte final da nossa visita onde ainda podemos ver um moinho de água em funcionamento, mais uma aldeia em miniatura e uma divisão totalmente dedicada a outro tipo de peças que têm mais a ver com o figurado e também mais a ver comigo.
Aqui percebe-se a destreza com que moldava o barro e as peças bem dispostas que fazia que, segundo um documentário que vi, muitas vezes eram inspiradas em pessoas que lhe eram próximas, ou que ele achava que tinham características dignas de serem caricaturadas. A ligação ao vinho é bem patente em várias peças.
No final, a incontornável gift shop, onde podem ser adquiridas peças com o selo da olaria. Deverá procurar no fundo da loja ao lado do escritório, pelas mais interessantes. Nada de preços absurdos a menos que vá para peças maiores, mas para trazer uma recordação vale bem a pena.
E foi assim que na mesma tarde em que conheci esta aldeia passei a ser admirador do artista, não só apreciando a sua estética mas também admirando a sua obra, construída com o objectivo de fazer algo que lhe dava um enorme gozo, partilhando desinteressadamente com quem quisesse visitar. Acabei a pensar no privilégio que é fazer algo que se faria de graça e ainda conseguir viver disso.
Uma vez que não é visita para mais de hora e meia, aproveite e visite também a Tapada de Mafra ou o Palácio. Antes de voltar, passe pela Ericeira para ver o mar.
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